Carpinteirava como se a plaina, deslizando na madeira ainda quase verde, fosse mão em corpo de mulher. Ficou-lhe a plaina zanzando doida, sem tino ele no alisar a madeira de pinho sobre o banco, e aquele raio de sol entrando esguio pela clarabóia da oficina, e ele sentindo o quente que era a perna dela, mais coxa do que perna, apertando o seu corpo magro de carpinteiro.
Era sempre assim ao outro dia de uma noite com Maria Elisa: a plaina deslizando sem que a orientasse o mandar de António. Distraído, ele que tinha por costume chegar na bicicleta bamba que pintara de vermelho. Haviam de ter combinado uns dias antes, ou à boca do momento de ficarem juntos: um bilhete enviado por mão de garoto a troco de um punhado de bolotas, umas pevides ou uns grãos salteados em areia quente. Um bilhete designando o dia, como por exemplo: “quarta-feira”; lacónico, sem preâmbulos nem finais apaixonados, escrito com a caneta de tinta permanente oferta da mãe pelo exame do sétimo: alínea H.
Maria Elisa não escreve dia de mês, nem hora: era naquela “quarta feira”, sabia ele e sabia ela e por isso bastava escrever assim cada bilhete. À hora combinada, que era sempre depois de estar dormindo o povoado, ela ouvia (e estava certa que só ela ouvia) o guinchar cada vez mais guinchando: era a bicicleta dele, era António que pedalava. “O meu homem”, como Maria Elisa o chamava, nua sobre a cama, doirada dos mares onde passara o mês das férias.
António a percebera doida do seu corpo num dia em que consertava uma tábua solta no soalho do seu quarto: este, onde se encontram, furtivos, sobre o tapete de Arraiolos que Dona Apreciação bordou em noites de invernia. Maria Elisa suada, corada, as tranças castanhas quase desfeitas sobre o corpo nu. Ela e António carpinteiro, a quem sobrou, na pressa de ter-se inteiro nela, uma peúga preta com os elásticos lassos, calçada no pé esquerdo. Nuzinho, deitado de barriga, António tem nádegas rijas: um rabo chocolate que é a cor do carpinteiro e nem férias de mar ele teve. Todo ele pele e osso excepto aquele pedaço do seu corpo.
Em rodando a noite, ou que seja no início, ou ela o repete, Maria Elisa segura-lhe o pénis, lambe, morde, goza de vê-lo dobrado do tamanho que trazia pedalando: e triplicado, ri-se ela assim pensando, de quando ele aplaina madeira de pinho ainda verde, dobrado o corpo magro no banco da oficina.
António que chegara a mando do bilhete, entrado pela varanda que dá para o jardim do quarto onde Maria Elisa o aguarda, virgem que é como sua mãe a sabe: Dona Apreciação que a tem noivada com o filho do Senhor Garcias desembargador e dono de vinhas e montados. Casamento com data marcada para sete de Outubro.
Num ritmo arfante enrolam-se os corpos deles no cone de luar que entra pela janela na noite aparvalhada de húmido e de quente, de um mês de Agosto terminando. Maria Elisa e António não fazem amor, se nem mais que simpatia eles têm um pelo outro… Eles, na acepção crua da palavra, fodem pela noite dentro.
Na casa silenciosa, o que eles fazem é uma luta para encontrar o desejo de cada um no outro: a sua carne desvendada poro a poro, descoberta em cada interstício, cada dobra de pele, tal qual Maria Elisa fazia quando era pequena, pelo sótão, pela cave, pelas cavalariças e armazéns de trigo da fazenda, propriedade que Dona Apreciação dirige com mão de ferro desde que morreu seu marido - Dom Armindo Valpaços, Visconde.
Maria Elisa descobre, como então, os cheiros e os sabores.
Enquanto isso, o relógio da torre dá badaladas de um quarto. O verde luminoso no mostrador do relógio sobre a cómoda, marca cinco menos um quarto. Maria Elisa quase a ter um outro orgasmo. “ O último”, pensa ela e não decide: Maria Elisa teme, que seja essa uma noite com ponto final.
Concentra esforços. Alça-se sobre o carpinteiro. Desfaz o que sobra de tranças. Cresce o ritmo do seu corpo sobre o corpo de António e o cabelo esvoaça sobre a cara dele como se fora véu, como se fora teia; e num erguer-se, penetrando o sexo dela, o sexo dele, toca-lhe o cabelo no traseiro: o rabo dela rechonchudo, grande; o rabo que António desfaz daquele tão casto que parece nas saias de pregas quando Maria Elisa ajoelha na Igreja, Dona Apreciação ao lado da filha, orando ambas. Maria Elisa que semelha virgem.
O rabo de Maria Elisa, o seu corpo guardado para o esposo é o que ela ouve quando o padre Frederico aconselha castidade nas sessões de preparação para o casamento. O seu rabo endoidado, apertado, instado pelas mãos longas do carpinteiro; tomado pelo sexo dele, mordido dos seus dentes, ratado das unhas longas que ela roça, crava pelos corpos de um e do outro no desespero do desejo.
Batem seis longas badaladas. Nenhum deles ouviu bater as cinco, e nem os quartos tal foi o que não tem como se conte em palavra, seja ela escrita, seja ela falada, e nem que fosse imagem explicaria cada um deles no seu corpo e no corpo do outro. Cada um deles a tropeçar na madrugada, a lutar contra o sol que há-de levantar-se e encher a casa e fazer deles simplesmente Maria Elisa, filha devotada de Dona Apreciação, viúva de Visconde, prometida do filho do Senhor Garcias; e António, mulato, carpinteiro de móveis e arranjador de portas e tábuas de soalho.
A bicicleta parece que não faz ruído quando António parte, já quase a luz da alva despontando: e no entanto ele vai pedalando…
- Aceita por marido… – início da pergunta que o padre faz no sacramento.
Faz-se silêncio na nave da Igreja onde o filho do Senhor Garcias vai a casar com Maria Elisa.
Demora na resposta a noiva de branco: vestido com decote mais ousado do que desejou a mãe. Decote que deixa ver o cruzado das maminhas: virgens, como juraria, se fosse preciso, Dona Apreciação ciosa de sua filha resguardada para aquele casamento ou outro de igual interesse que ela tivesse desejado: ela, a mãe ansiosa da resposta que tarda menos de um segundo, mas faz pairar na Igreja um silêncio de dúvida sem que cada um por si lhe encontre fundamento, mas que causa uma impressão como se houvesse algo.
Apenas António não receia. Num ar de quem espreita à porta da sacristia onde conserta uma gaveta perra, ele sabe que Maria Elisa dirá o desejado sim, e olha-a demorado. Obriga-a a que ela o note.
Que enquanto poisa os olhos no pano do altar e balbucia o sim, ela sinta as suas mãos entrando-lhe pelo decote, soltando-lhe as fitas do véu que jogará sobre o quase marido: engenheiro, comerciante ou doutor de leis, ele será apenas um marido rico.
Que ela diga sim enquanto António lhe desabotoa cada botão do vestido de noiva, lhe rasga o saiote e lhe atravessa o corpo inteiro numa entrega de puro desejo; uma foda louca, rodopiando ambos entre os convidados, rolando unidos sobre o tapete vermelho da nave principal.
António retira-se. Vai completar o serviço que faz na sacristia.
Maria Elisa olha fixamente o altar em sua frente. Fixa a renda com anjos e cachinhos de uva.
O padre hesita e quase que repete:
- Aceita…
Mas detém-se: a boca num esgar como se o padre visse Maria Elisa e o carpinteiro despedindo-se, como se ele soubesse que António estava ali ofertando ela para o filho do Senhor Garcias, para que ele se faça seu marido.
A nave da Igreja respira de alívio: Maria Elisa disse.
Ela fala bem alto para que António oiça:
- Sim, aceito.
Maria Elisa ouve, guinchando, e só ela ouve, a bicicleta vermelha do carpinteiro que se afasta.
Era sempre assim ao outro dia de uma noite com Maria Elisa: a plaina deslizando sem que a orientasse o mandar de António. Distraído, ele que tinha por costume chegar na bicicleta bamba que pintara de vermelho. Haviam de ter combinado uns dias antes, ou à boca do momento de ficarem juntos: um bilhete enviado por mão de garoto a troco de um punhado de bolotas, umas pevides ou uns grãos salteados em areia quente. Um bilhete designando o dia, como por exemplo: “quarta-feira”; lacónico, sem preâmbulos nem finais apaixonados, escrito com a caneta de tinta permanente oferta da mãe pelo exame do sétimo: alínea H.
Maria Elisa não escreve dia de mês, nem hora: era naquela “quarta feira”, sabia ele e sabia ela e por isso bastava escrever assim cada bilhete. À hora combinada, que era sempre depois de estar dormindo o povoado, ela ouvia (e estava certa que só ela ouvia) o guinchar cada vez mais guinchando: era a bicicleta dele, era António que pedalava. “O meu homem”, como Maria Elisa o chamava, nua sobre a cama, doirada dos mares onde passara o mês das férias.
António a percebera doida do seu corpo num dia em que consertava uma tábua solta no soalho do seu quarto: este, onde se encontram, furtivos, sobre o tapete de Arraiolos que Dona Apreciação bordou em noites de invernia. Maria Elisa suada, corada, as tranças castanhas quase desfeitas sobre o corpo nu. Ela e António carpinteiro, a quem sobrou, na pressa de ter-se inteiro nela, uma peúga preta com os elásticos lassos, calçada no pé esquerdo. Nuzinho, deitado de barriga, António tem nádegas rijas: um rabo chocolate que é a cor do carpinteiro e nem férias de mar ele teve. Todo ele pele e osso excepto aquele pedaço do seu corpo.
Em rodando a noite, ou que seja no início, ou ela o repete, Maria Elisa segura-lhe o pénis, lambe, morde, goza de vê-lo dobrado do tamanho que trazia pedalando: e triplicado, ri-se ela assim pensando, de quando ele aplaina madeira de pinho ainda verde, dobrado o corpo magro no banco da oficina.
António que chegara a mando do bilhete, entrado pela varanda que dá para o jardim do quarto onde Maria Elisa o aguarda, virgem que é como sua mãe a sabe: Dona Apreciação que a tem noivada com o filho do Senhor Garcias desembargador e dono de vinhas e montados. Casamento com data marcada para sete de Outubro.
Num ritmo arfante enrolam-se os corpos deles no cone de luar que entra pela janela na noite aparvalhada de húmido e de quente, de um mês de Agosto terminando. Maria Elisa e António não fazem amor, se nem mais que simpatia eles têm um pelo outro… Eles, na acepção crua da palavra, fodem pela noite dentro.
Na casa silenciosa, o que eles fazem é uma luta para encontrar o desejo de cada um no outro: a sua carne desvendada poro a poro, descoberta em cada interstício, cada dobra de pele, tal qual Maria Elisa fazia quando era pequena, pelo sótão, pela cave, pelas cavalariças e armazéns de trigo da fazenda, propriedade que Dona Apreciação dirige com mão de ferro desde que morreu seu marido - Dom Armindo Valpaços, Visconde.
Maria Elisa descobre, como então, os cheiros e os sabores.
Enquanto isso, o relógio da torre dá badaladas de um quarto. O verde luminoso no mostrador do relógio sobre a cómoda, marca cinco menos um quarto. Maria Elisa quase a ter um outro orgasmo. “ O último”, pensa ela e não decide: Maria Elisa teme, que seja essa uma noite com ponto final.
Concentra esforços. Alça-se sobre o carpinteiro. Desfaz o que sobra de tranças. Cresce o ritmo do seu corpo sobre o corpo de António e o cabelo esvoaça sobre a cara dele como se fora véu, como se fora teia; e num erguer-se, penetrando o sexo dela, o sexo dele, toca-lhe o cabelo no traseiro: o rabo dela rechonchudo, grande; o rabo que António desfaz daquele tão casto que parece nas saias de pregas quando Maria Elisa ajoelha na Igreja, Dona Apreciação ao lado da filha, orando ambas. Maria Elisa que semelha virgem.
O rabo de Maria Elisa, o seu corpo guardado para o esposo é o que ela ouve quando o padre Frederico aconselha castidade nas sessões de preparação para o casamento. O seu rabo endoidado, apertado, instado pelas mãos longas do carpinteiro; tomado pelo sexo dele, mordido dos seus dentes, ratado das unhas longas que ela roça, crava pelos corpos de um e do outro no desespero do desejo.
Batem seis longas badaladas. Nenhum deles ouviu bater as cinco, e nem os quartos tal foi o que não tem como se conte em palavra, seja ela escrita, seja ela falada, e nem que fosse imagem explicaria cada um deles no seu corpo e no corpo do outro. Cada um deles a tropeçar na madrugada, a lutar contra o sol que há-de levantar-se e encher a casa e fazer deles simplesmente Maria Elisa, filha devotada de Dona Apreciação, viúva de Visconde, prometida do filho do Senhor Garcias; e António, mulato, carpinteiro de móveis e arranjador de portas e tábuas de soalho.
A bicicleta parece que não faz ruído quando António parte, já quase a luz da alva despontando: e no entanto ele vai pedalando…
- Aceita por marido… – início da pergunta que o padre faz no sacramento.
Faz-se silêncio na nave da Igreja onde o filho do Senhor Garcias vai a casar com Maria Elisa.
Demora na resposta a noiva de branco: vestido com decote mais ousado do que desejou a mãe. Decote que deixa ver o cruzado das maminhas: virgens, como juraria, se fosse preciso, Dona Apreciação ciosa de sua filha resguardada para aquele casamento ou outro de igual interesse que ela tivesse desejado: ela, a mãe ansiosa da resposta que tarda menos de um segundo, mas faz pairar na Igreja um silêncio de dúvida sem que cada um por si lhe encontre fundamento, mas que causa uma impressão como se houvesse algo.
Apenas António não receia. Num ar de quem espreita à porta da sacristia onde conserta uma gaveta perra, ele sabe que Maria Elisa dirá o desejado sim, e olha-a demorado. Obriga-a a que ela o note.
Que enquanto poisa os olhos no pano do altar e balbucia o sim, ela sinta as suas mãos entrando-lhe pelo decote, soltando-lhe as fitas do véu que jogará sobre o quase marido: engenheiro, comerciante ou doutor de leis, ele será apenas um marido rico.
Que ela diga sim enquanto António lhe desabotoa cada botão do vestido de noiva, lhe rasga o saiote e lhe atravessa o corpo inteiro numa entrega de puro desejo; uma foda louca, rodopiando ambos entre os convidados, rolando unidos sobre o tapete vermelho da nave principal.
António retira-se. Vai completar o serviço que faz na sacristia.
Maria Elisa olha fixamente o altar em sua frente. Fixa a renda com anjos e cachinhos de uva.
O padre hesita e quase que repete:
- Aceita…
Mas detém-se: a boca num esgar como se o padre visse Maria Elisa e o carpinteiro despedindo-se, como se ele soubesse que António estava ali ofertando ela para o filho do Senhor Garcias, para que ele se faça seu marido.
A nave da Igreja respira de alívio: Maria Elisa disse.
Ela fala bem alto para que António oiça:
- Sim, aceito.
Maria Elisa ouve, guinchando, e só ela ouve, a bicicleta vermelha do carpinteiro que se afasta.